Aos Mestres, com carinho!

Aos Mestres, com carinho!
Drummond, Vinícius, Bandeira, Quintana e Mendes Campos

domingo, 30 de abril de 2017

O Guesa / Canto terceiro, poema de Sousândrade


As balseiras na luz resplandeciam —
oh! que formoso dia de verão!
Dragão dos mares, — na asa lhe rugiam
Vagas, no bojo indômito vulcão!
Sombrio, no convés, o Guesa errante
De um para outro lado passeava
Mudo, inquieto, rápido, inconstante,
E em desalinho o manto que trajava.
A fronte mais que nunca aflita, branca
E pálida, os cabelos em desordem,
Qual o que sonhos alta noite espanca,
"Acordem, olhos meus, dizia, acordem!"
E de través, espavorido olhando
Com olhos chamejantes da loucura,
Propendia p'ra as bordas, se alegrando
Ante a espuma que rindo-se murmura:
Sorrindo, qual quem da onda cristalina
Pressentia surgirem louras filhas;
Fitando olhos no sol, que já s'inclina,
E rindo, rindo ao perpassar das ilhas.
— Está ele assombrado?... Porém, certo 
Dentro lhe idéia vária tumultua:
Fala de aparições que há no deserto, 
Sobre as lagoas ao clarão da lua. 

Imagens do ar, suaves, flutuantes, 
Ou deliradas, do alcantil sonoro, 
Cria nossa alma; imagens arrogantes, 
Ou qual aquela, que há de riso e choro: 
Uma imagem fatal (para o ocidente, 
Para os campos formosos d'áureas gemas, 
O sol, cingida a fronte de diademas, 
índio e belo atravessa lentamente): 
Estrela de carvão, astro apagado
Prende-se mal seguro, vivo e cego,
Na abóbada dos céus, — negro morcego
Estende as asas no ar equilibrado.

Sousândrade