Aos Mestres, com carinho!

Aos Mestres, com carinho!
Drummond, Vinícius, Bandeira, Quintana e Mendes Campos

quarta-feira, 25 de outubro de 2017

Autorretrato, por Mariana Alves


Desconfigurada
como cacos aglomerados
Calendoscópica!
apenas aos giros podes me ver
e nunca terás certeza
se é meu rosto
ou tua tontura
que não permite
reconhecimento.

Mariana Alves

sexta-feira, 6 de outubro de 2017

Garça Triste, poema de Castro Alves



Eu sou como a garça triste
Que mora à beira do rio,
As orvalhadas da noite
Me fazem tremer de frio.

Me fazem tremer de frio
Como os juncos da lagoa;
Feliz da araponga errante
Que é livre, que livre voa.

Que é livre, que livre voa
Para as bandas do seu ninho,
E nas braúnas à tarde
Canta longe do caminho.

Canta longe do caminho.
Por onde o vaqueiro trilha,
Se quer descansar as asas
Tem a palmeira, a baunilha.

Tem a palmeira, a baunilha,
Tem o brejo, a lavadeira,
Tem as campinas, as flores,
Tem a relva, a trepadeira,

Tem a relva, a trepadeira,
Todas têm os seus amores,
Eu não tenho mãe nem filhos,
Nem irmão, nem lar, nem flores.

Castro Alves

quarta-feira, 4 de outubro de 2017

Autorretrato, por Itárcio Ferreira



Não pedi para estar aqui. Não pedi para ter consciência de que existo. Acho que esta é a pior tortura que possa sofrer um humano. Após os 50 anos, o que é o meu caso, tudo é excesso. Excesso de vida, amor, tristezas e derrotas. Sou um derrotista campeão. Sempre fico do lado perdedor. Histórias não faltam.


Para não estourar, de repente, em um suicídio fracassado, sempre busquei as artes e o álcool. Eles têm um quê de alívio que a tudo supera. As demais tentativas de fuga, fora desta dupla, se mostraram falhas.

Primeiro casei, aos dezoito anos – antes disto, em lembranças que não possuo, tive pólio com um ano de idade – tive filhos, precisei trabalhar cedo, abandonei a música, ainda em aprendizado incipiente – mas, hoje tenho a consciência da falta de talento, o que diminui minhas dores.

A bebida é uma fuga espetacular, mas o corpo físico não nos compreende. Talvez por isso aprendi a amar – na verdade não sei o que é o amor – os livros, os poemas, os romances. Sou, em resumo, um fugitivo, e enquanto os excessos de anos dão-me vida, diminuo os sofrimentos através dos livros, pois, covarde para cair fora por conta própria.

Jair Rodrigues - "Bigorrilho"